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Por Humberto Ramos

A elaboração do conceito de direitos humanos é decorrente de uma evolução histórica que conta com o esforço de pessoas e grupos específicos em prol do resguardo da dignidade da pessoa humana. Em outras palavras, os ordenamentos que tratam especificamente deste tema constituem, ou talvez aglutinem, o legado deixado por cada momento histórico em que se haja empreendido lutas e resistências a fim de que pessoas fossem tratadas como pessoas. Ridiculamente, não é nada demais reiterar vez e outra o que é e quem é um ser humano. Afinal, a trajetória da raça humana é marcada pela ocorrência da desumanização de indivíduos, etnias ou grupos inteiros sempre que conveniente ou necessário a atender a intensões (espúrias) das mais diversas.

Depois de 67 anos da promulgação do mais importante documento em garantia da dignidade da pessoa humana (a Declaração Universal), faz-se necessário arrazoar acerca da efetividade da linguagem dos direitos humanos. Neste sentido, mostra-se oportuna a reflexão de Boaventura Souza Santos (2013, p. 15):

A maioria da população mundial não é sujeito de direitos humanos. É objeto de discursos de direitos humanos. Deve, pois, começar por perguntar-se se os direitos humanos servem eficazmente à luta dos excluídos, dos explorados e dos discriminados ou se, pelo contrário, a torna mais difícil.

Segundo o sociólogo português, direitos humanos constituem hoje uma linguagem hegemônica incontestável. Não obstante, seu discurso adequado (compatível) à realidade das democracias liberais do mundo ocidental possui limites muito claros. A gramática dos direitos humanos acabou por ocupar o lugar das grandes utopias, uma vez desacreditadas (?). De tal forma, consolidou-se, como se pode inferir, sem uma forte contestação às forças hegemônicas. Nesse sentido, talvez possa-se questionar se o discurso dos direitos humanos per si não terminam por enfraquecer as críticas mais ácidas às estruturas que resultam em sua própria violação.

Assim, pode-se obstar ao trabalho infantil sem, contudo, atacar às estruturas que acarretam tal condição. O mesmo se dá com a precarização do trabalho, da saúde pública e também da educação em geral (mais especificamente a pública), violações claras dos direitos do trabalhador e dos cidadãos, direitos esses que não se encontram necessariamente no rol de prioridades daqueles que detêm o poder em nossa sociedade. Para tanto, não é exagero dizer que em geral a gramática dos direitos humanos mira os sintomas deixando incólume à origem destes.

Indo mais longe, vale notar que os mais abastados raramente necessitam recorrer a essa categoria de direitos para si mesmos. Violadas, no mais das vezes, são aquelas minorias políticas e sociais dentre a população e que, não bastasse isso, também não contam com vantajosa condição material. De tal modo, pouco ou nada convém às elites investir em uma educação em direitos humanos, formando cidadãos/cidadãs conscientes de suas prerrogativas e tampouco formando profissionais dentre os servidores públicos aptos a não somente resguardar esses direitos bem como promovê-los. Quem se beneficia do status quo pouco se interessa em transformá-lo[i].

Com isso, não se quer dizer que seja absolutamente inócua a ideia de direitos humanos. O entendimento de que o ser humano possui uma dignidade que lhe é intrínseca é por si só um bom começo. Compreender as limitações desse discurso é também fundamental. O pensamento crítico deve permear todas as dimensões de nossa vida social. E, levando-se em conta a habilidade do capitalismo contemporâneo (globalizado) de cooptar as mais diversas iniciativas humanas, mesmo que tenham surgido de resistências à sua própria hegemonia, deve-se sustentar então uma hermenêutica da suspeita também para com os discursos relativos aos direitos da pessoa humana.

Evidenciam-se as limitações do discurso dos direitos humanos quando nos deparamos com os percalços encontrados em sua concretização. Em outras palavras, a ausência de uma denúncia clara da atual estrutura sistêmica de nossas sociedades sugere não haver qualquer incompatibilidade entre ela e a defesa e consolidação desses direitos (o que é um problema). Para tanto, faz-se necessário fomentar o estudo e transmissão dos princípios contidos nesta gramática específica de forma pretenciosa, apontando para um horizonte de superação do sistema capitalista.

Neste sentido, Lynn Hunt (2009, p. 19) foi bastante pertinente ao dizer que:

Os direitos humanos só se tornam significativos quando ganham conteúdo político. Não são os direitos de humanos n um estado de natureza: são os direitos de humanos em sociedade. Não são apenas direitos humanos em oposição aos direitos divinos, ou direitos humanos em oposição aos direitos animais: são os direitos de humanos vis-à-vis uns aos outros. São, portanto, direitos garantidos no mundo político secular (mesmo que sejam chamados “sagrados”), e são direitos que requerem uma participação ativa daqueles que os detêm.

Isso não deveria resultar necessariamente em qualquer tipo de doutrinação, mas sim de formação política. A proposta de superação do sistema capitalista per si pode muito bem gerar o aprofundamento da crítica, o surgimento de novos caminhos e experiências (vivências) contra-hegemônicas que venham a contribuir com o que já foi conquistado.

Deve estar claro, acima de tudo, que não dá para falar em direitos humanos sem falar da luta por esses direitos.

Notas

[i] Percebe-se isso na ausência de uma disciplina de Direitos Humanos na maior parte das faculdades de Direitos Brasil afora.

Referências

SANTOS, Boaventura Sousa. Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos. São Paulo: Cortez, 2013.

Hunt, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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