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Por Manuela Löwenthal-Doutoranda em Ciências Sociais


No último domingo, dia 1º de outubro, aconteceram as eleições para Conselhos Tutelares no Brasil todo. Tal processo de escolha, que até pouco tempo era uma das eleições menos conhecidas no país, pelo fato de ser facultativa, tornou-se atualmente um dos temas mais comentados nas mídias e redes sociais. O motivo se deu pelo fato de que, na última eleição de Conselhos Tutelares (2019), grande parte dos Conselheiros eleitos eram evangélicos, e em sua maioria ligados a denominações neopentecostais, principalmente à Igreja Universal do Reino de Deus. 

Na eleição de 2019, na cidade de São Paulo foram eleitos 53% de conselheiros ligados a denominações neopentecostais, segundo levantamento feito pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente1.

Na eleição deste ano (2023), ainda não se sabe ao certo a porcentagem de candidatos evangélicos eleitos, porém estima-se que 58% dos eleitos defendem pautas conservadoras ligadas a agendas morais de cunho conservador, segundo levantamento do Instituto de Cooperação Política Pública e Social2.

Essa entrada de atores evangélicos conservadores na esfera pública não é algo recente e tem relação direta com o processo de redemocratização do país. Com a abertura democrática, o Brasil atravessou um processo no qual diversos grupos passaram a reivindicar suas pautas frente ao Estado, uma vez que durante o período de Ditadura Militar no Brasil isso não era possível. Desde então, a arena pública se tornou palco de disputa, e entre esses grupos estavam os pentecostais e neopentecostais que se viam como minoria política, uma vez que a igreja católica representou por séculos um poder hegemônico no país.

A forma com que esses grupos evangélicos se articulam politicamente tem relação direta com uma determinada ética de ação no mundo, na qual possui uma ideia muito presente de que deve haver uma ação salvadora que intervenha na realidade de forma prática, o que os distingue de outras doutrinas. Por este motivo, a mobilização evangélica assusta muitas pessoas por sua ação incisiva e combativa, a fim de eleger seus representantes utilizando estratégias e mobilizações que muitas vezes vão contra ao estipulado pelo jogo político, como foi o caso de algumas denúncias envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na prática de campanhas no dia das eleições3.

A ação desses grupos causou também uma forte reação por parte de grupos progressistas que consideram este avanço de religiosos conservadores como sendo uma ameaça à laicidade do Estado e à própria democracia como um todo, uma vez que serviços públicos como os Conselhos Tutelares não deveriam ser espaços de ação religiosa e evangelização. Dentre muitas preocupações, está principalmente o fato de que este espaço atende pessoas em situação de vulnerabilidade emocional, financeira, material, psicológica, entre tantas outras. E isto faz com que seja um espaço propício para a cooptação de pessoas passíveis à conversão religiosa. Este seria um dos problemas, mas também há o fato de que os Conselhos Tutelares lidam diretamente com as famílias, exercendo poder também sobre questões relacionadas como sexualidade, gênero, entre outras pautas morais bastante caras a este grupo.

Nas últimas semanas, foram publicados diversos materiais sobre esta eleição. De um lado, grupos de evangélicos se articularam em uma forte divulgação de conteúdo informativos como é o caso do Guia sobre como influenciar a votação do Conselho Tutelar4, além de muitas postagens sobre o tema em redes sociais, como na página pessoal da Deputada Damares Alves, grupos de Telegram ligados ao Famílias Homeschooling e à IURD (como o grupo Arimatéia) e publicações na Folha Universal, jornal oficial da Igreja Universal do Reino de Deus5.

De outro lado, há os grupos progressistas que se uniram no que chamam de “Frente Ampla” para campanhas de conscientização a partir da divulgação de materiais, como o Guia sobre como mobilizar pessoas progressistas para votarem nas eleições de Conselho Tutelar6, em um movimento evidentemente bastante preocupado com a massiva entrada de atores evangélicos nas últimas eleições de Conselho Tutelar em 2019.

Nessa mesma linha, o humorista Gregório Duvivier publicou em seu canal um vídeo em que fala abertamente de uma “dominação evangélica” nos Conselho Tutelares, e o quanto esta movimentação está interligada aos avanços da extrema direita no país e a pautas conservadoras defendidas pela Frente Parlamentar Evangélica7.

A disputa se intensificou conforme a data da eleição foi se aproximando, e ficou claro que ambos os grupos estavam dispostos a entrar nesta “guerra” com todas as suas armas. Porém, ao que tudo indica, a mobilização progressista ainda é muito fraca em bairros periféricos, uma vez que a vitória de conselheiros de direita foi integral em bairros de São Paulo como Capão Redondo, Cidade Ademar, Itaquera, Jd Helena, Lageado, Grajaú I, Paralheiros, Penha, Jaçanã, Mooca, Pedreira, São Matheus, São Miguel, São Rafael, Tremembé, Campo Limpo, M’Boi Mirim, e bairros centrais elegeram conselheiros mais ligados à esquerda e que defendiam pautas progressistas como Lapa, Pinheiros, Vila Mariana e Butatã8.

Estes resultados tornam evidente o que já é muito apontado entre pesquisadores: há um afastamento latente entre grupos progressistas e a população trabalhadora, além da falta de diálogo entre a esquerda partidária e a população evangélica, esta que está cada vez maior e que, segundo previsões, irá representar mais da metade da população em pouco tempo. 

Esta lacuna se evidencia a cada nova eleição, seja de Conselho Tutelar ou outras. 

A democracia requer pluralidade, e esta, por sua vez, só pode existir em um espaço de diálogo e respeito aos Direitos Humanos. Estas disputas fazem parte de um sistema democrático, o que não faz parte é o desrespeito aos direitos da criança e do adolescente. A população deve estar comprometida em eleger um conselho tutelar plural, responsável e que trabalhe pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), independente da religião individual de cada conselheiro.

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1 https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-15/igrejas-evangelicas-neopentecostais-dominam-conselhos-tutelares-em-sao-paulo-e-no-rio.html
2 https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/10/03/conselho-tutelar-cidade-de-sao-paulo-renova-quase-70-de-seus-conselheiros.ht
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/10/04/conselho-tutelar-video-mostra-cola-proibida-com-candidatos-em-igreja-de-sp.htm
file:///C:/Users/Usuario/Downloads/Guia%20sobre%20como%20influenciar%20vota%C3%A7%C3%A3o%20do%20CT.pdf
5 https://www.instagram.com/reel/Cxec8ywsEgn/?igshid=MTc4MmM1YmI2Ng%3D%3D)
6 https://www.comofalarsobre.com/conselhos-tutelares
7 https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=fZcHIIiAhsc
https://twitter.com/cyrusafa/status/1708623053414944909?t=ech4LN0qRryI5QrYtPVnkg&s=19

 

 

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