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Humberto Ramos de Oliveira Jr.

Sexta-feira santa. Os cristãos trazem à memória a crucificação de Jesus. Seu suplício e morte ante as autoridades religiosas de sua própria comunidade e as autoridades jurídico-políticas do Império Romano. O galileu incômodo fora lançado ao madeiro a fim de que sua voz fosse silenciada.

Aqueles que se arvoram seus discípulos encaram de modo bastante paradoxal este momento. Aqui no Brasil, alguns de nós revisitamos a data e os acontecimentos levando em conta que Jesus fora vítima de mentiras perversas, réu em um julgamento injusto, lançado à tortura atroz, exposto ao escárnio de uma condenação da qual, àquela época, apenas os malditos de um povo seriam dignos. Outros, são capazes de memorar tais acontecimentos vociferando impropérios contra seus opositores políticos (mentiras), enaltecem a vingança como parâmetro para o julgamento de seus adversários, louvam à tortura e torturadores e praticam assiduamente linchamentos morais (quando não buscam fazê-lo fisicamente), expondo seus inimigos políticos ao motejo e ao opróbrio.

Consternados, perguntamo-nos: como é possível que os/as seguidores/as do galileu incômodo, o torturado de Nazaré, sejam capazes de posições tão antagônicas? Não há respostas fáceis, tem sido tremendamente difícil decifrar os sinais de nossos dias. Notamos, entretanto, a lamentável omissão de muitos e muitos pastores cristãos (católicos e evangélicos) diante de tamanha excrecência. O que choca não é a voz amarga dos clérigos encapuzados de ódio e rancor, mas o silenciamento daqueles que, sabemos, jamais estariam entre as fileiras da raiva e desamor. Por que se calam? Por que não denunciam a incompatibilidade entre Jesus e a vingança, o ódio, o desrespeito à dignidade humana?

Nesta Páscoa, uma data que nos evoca esperança, acima de tudo a esperança de que o mal passe para adiante de nós e se esvaia, um misto de crença em dias melhores e certa insegurança nos tomam o coração. Se por um lado sabemos como devemos agir, quais bandeiras levantar, por outro nos encontramos temerosos sem saber o que nos espera. É ano de eleição, mas não se sabe ao certo se elas ocorrerão. O presidente Michel Temer, sem credibilidade, desprovido de valores como dignidade e honra, não tem cessado de recontar a história e ressignificar dolorosos fatos passados, o que leva a qualquer pessoa de bom senso a refletir sobre seus planos para o futuro. Sabemos bem que o passado nem sempre se vai. E na história do Brasil, ele parece sempre retornar a fim de nos assombrar.

Temer reconta o Golpe Militar de 1964, sustenta que o autoritarismo ali instaurado não fora outra coisa senão o desejo de nosso povo (talvez fosse da elite e parte da classe média sempre ressentida com as políticas públicas voltadas ao social). Ele vai além, e sugere que temos uma vocação para a centralização do poder. Ora, o que este senhor está nos dizendo por meio de palavras relativamente sofisticadas? Está revelando em doses homeopáticas aquilo que alguns analistas já tem afirmado faz algum tempo?… Não haverá eleições!…

Tememos, não sem razão. Não acredito que estamos vocacionados à centralização e ao autoritarismo. Sempre estivemos, na verdade, sujeitos à herança da lógica exploradora que fora perpetrada em nossas terras desde a colonização, passando pelo extermínio indígena, a escravidão dos africanos e perpetuada por uma estrutura sócio-política que jamais permitiu que se extirpasse de vez as vias pelas quais nossa elite explorava e segue explorando nosso povo. Ansiamos pela emancipação, somos carentes de democracia real.

Este é o ano em que celebraremos o trigésimo aniversário de nossa Carta Magna (Constituição de 1988). Faremo-lo em meio a duros ataques contra a sua aplicação concreta, diante da feroz tentativa de torná-la inócua a fim de que sua credibilidade e legitimidade sejam abaladas e, por sua vez, justifique-se seu abandono. A Constituição sofre ataques diários, nossa democracia encontra-se em coma e nossa esperança depende da expectativa de ressurreição. Desistir de acreditar seria o mesmo que entregar-se ao suicídio existencial. Pendurar as chuteiras não resultaria em outra coisa senão facilitar a vida daqueles que tramam diuturnamente entregar nossa nação às mãos de quem anseia extrair dela até a última gota de riqueza.

É Páscoa e assistimos alguns (re)crucificando Jesus em seu próprio Nome. É Páscoa e permanecemos em pé, sabendo que nossas ideias não morrem. É Pascoa e decidimos manter nossa aposta melancólica (Daniel Bensaïd), sem a certeza de que seremos exitosos (aposta), convictos de que muitos caíram e cairão no caminho (por isso a melancolia), mas crentes na ressurreição contínua da mensagem que redime e emancipa.

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